Líder indígena Álvaro Tucano grava depoimento para ser utilizado em videoaulas do curso de Cultura e História dos Povos Indígenas
O Centro de Educação a Distância (Cead) da UFJF recebeu, nos dias 13 e 14 de fevereiro, a visita de Álvaro Tucano, 60 anos, (foto ao lado) liderança indígena de São Gabriel da Cachoeira, região do Alto Rio Negro, no estado do Amazonas. Militante da causa indígena há mais de 35 anos, ele deixou depoimento em vídeo gravado pelo setor de Produção de Material Didático do Cead. O conteúdo será utilizado em videoaulas para diferentes módulos do curso de Culturas e História dos Povos Indígenas, aperfeiçoamento voltado para educadores de escolas públicas que vem sendo desenvolvido desde o final de 2013.
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Segundo a professora convidada do módulo “Povos Indígenas e Diversidade Cultural”, Angelise Nadal Pimenta, as gravações com Álvaro Tucano, ocorridas no Cead e no Jardim Botânico da UFJF, abordaram quatro temas específicos: ausência da temática indígena na historiografia nacional; o que se entende por identidades e culturas; movimento indígena; e diversidade de culturas e histórias. Aílton Krenak (foto abaixo), outra liderança indígena, também esteve presente às gravações, motivo de orgulho para Angelise. “Pra gente é muito especial ter protagonistas da história do movimento indígena contando o que vivenciaram e continuam vivenciando.”
“É uma oportunidade de o Brasil revelar os valores culturais de seus povos”
Antes de participar das gravações, Álvaro Tucano concedeu entrevista à Assessoria de Comunicação do Centro de Educação a Distância da UFJF. Na oportunidade, ele ressaltou a importância da Lei nº 11.645, que tornou obrigatório o ensino das histórias e das culturas afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensinos fundamental e médio.
“Estamos cansados de ser colonizados. O mundo inteiro está precisando de reformas na Educação. Para nós, a melhor maneira de educar é contando as histórias indígenas de ecologia, de curandeiros e de comportamento humano nas universidades que formam os pensadores brasileiros. Acho que os índios podem contribuir para descolonizar as universidades conservadoras que temos aqui no país e que ainda usam material didático da Europa, que não tem nada a ver com a realidade de São Gabriel da Cachoeira e com a questão indígena na Amazônia. É responsabilidade nossa fazer aliança com os novos estudantes e com os professores para colocarmos tudo aquilo que não presta na prateleira do museu da Educação”, desabafa Tucano.
Existe cerca de meio milhão de índios na região do Alto Rio Negro, incluindo também os “parentes na Colômbia e na Veneuela”, já que, também segundo Tucano, as fronteiras culturais não coincidem com as fronteiras políticas do continente. Somente na região de São Gabriel da Cachoeira, há cerca de 30 mil indígenas, distribuídos em 23 tribos. Apesar de entender que as culturas indígenas ainda precisam ser mais valorizadas, Tucano destaca que já houve melhoras, principalmente na Educação.
“As escolas antigas nunca nos ensinaram a fazer pajelança para curar as pessoas, usar plantas medicinais… Isso foi proibido dentro da região do Rio Negro. Hoje, estão todos buscando os valores tradicionais. Assim deve ser o Brasil, que é diferente da Europa. Somos um país de mega diversidade e capaz de fazer uma medicina mais barata do que esta que está aí”, afirma, para depois destacar a importância do curso de Culturas e História dos Povos Indígenas. “É uma oportunidade de o Brasil revelar os valores culturais de seus povos”.
Ailton Krenak faz coro com Angelise ao destacar a importância da visita de Álvaro Tucano à UFJF. “É uma satisfação enorme a oportunidade de ter o Álvaro, que é da etnia Tucano, lá do Alto Rio Negro, se juntando a essas ações direcionadas ao conteúdo que vamos oferecer aos nossos formadores em relação à cultura e história dos povos indígenas. Ele compratilhou comigo praticamente os últimos 30 anos da história do movimento indígena. Tivemos a felicidade de conviver esse tempo todo enfrentado dificuldades, como os graves entraves para os índios entrarem nas instituições dos homens brancos. Até a Contituição de 1988, a nossa experiência foi de constantes choques, seja com a agência indigenista do estado, que é a Funai, e até mesmo com outras instituições do governo. Sempre foi uma relação muito desigual e fundada na ideia de que seríamos tutelados eternamente. A minha geração e do Álvaro sempre reclamou dessa dificuldade de o Estado brasileiro estabelecer um diálogo equilibrado com as sociedades indígenas”, destaca Krenak.
Texto: Thiago Stephan
Fotos: Priscila Ferro